O profundo significado da dança clássica chinesa
Como muitas disciplinas tradicionais chinesas, a dança é permeada por um profundo entendimento sobre a relação entre o homem e o cosmos, entre a mente e o espírito
As artes dão sentido à vida das pessoas. Desempenham um importante papel no estabelecimento dos valores morais da humanidade e é uma das matrizes que o homem possui para encontrar respostas às perguntas fundamentais da vida. Por isso mesmo, as artes influem nos valores da população e, de modo recíproco, os valores das pessoas influem nas artes.
Desde a antiguidade, a música é uma das artes que possui maior influência na sociedade, talvez devido ao seu caráter universal que a torna mais acessível a todos os extratos sociais e culturas, mais do que outros tipos de artes, como a pintura e a escultura, geralmente mais reservadas a certos círculos específicos ou elites.
Confúcio observou, há 2.500 anos, que esta forma de arte reflete os valores sociais: “Não há nada mais efetivo do que a música para melhorar os hábitos e os costumes existentes”, conforme o Yue Ji (Notas sobre a Música). Ele também disse: “A música é a sublimação da moralidade.”
Pela sua proximidade e conexão com a música, a dança, certamente, também pode afetar o código moral de uma pessoa. “Alguém conhece os princípios de uma pessoa ao vê-la dançar”, assinalou Confúcio. Em uma escala mais ampla, alguém pode conhecer os princípios de uma sociedade através de sua dança.
A alma da China tradicional: A bailarina principal e coreógrafa Vina Lee interpreta ”O Balé da Flor de Ameixa”. Por florescer durante o inverno, os chineses lançaram mão dessa flor como um símbolo de inquebrantável força interior, que não se dobra ou murcha, nem diante das mais ásperas condições (NTDTV)
Dança tradicional chinesa, dança da “Terra Divina”
Na antiguidade, a China era denominada de a “Terra Divina”, já que os 5.000 anos de sua cultura são permeados por um profundo entendimento da relação do homem com o cosmos e a convicção de que o ser humano tem uma origem divina à qual deve retornar. Essa disposição é evidente em todos os aspectos da antiga sociedade chinesa, partindo da arquitetura à agricultura e das ciências às artes. E a dança não é uma exceção. Para melhor entender a profunda conotação da dança clássica chinesa, o Epoch Times entrevistou Vina Lee, coreógrafa e bailarina principal do Shen Yun Performing Arts, atualmente a única companhia de dança clássica chinesa que resgata os valores tradicionais em suas representações. Esta companhia nasceu nos Estados Unidos e está em turnê pelas principais cidades do mundo com o seu Espetacular Ano Novo Chinês.
Vina nos explica: “A dança chinesa coloca ênfase nos ‘gestos corporais’ e nas ‘conotações gestuais’, e expressa uma característica fundamental da cultura tradicional chinesa, que consiste em unir movimento e alma. O espírito do bailarino dirige o movimento e os movimentos representam a alma. Certamente, para poder representar a alma através de um movimento, o bailarino deve efetuar um rigoroso treinamento, tanto físico como espiritual, já que os movimentos não apenas devem ser seguros e precisos, mas também devem ser sutis e capazes de representar sua alma. Isso requer dos bailarinos um estado mental adequado e também que eles sejam capazes de deixar que o espírito guie os movimentos, objetivando controlar, com precisão, cada parte do corpo. Ao aperfeiçoar seu corpo físico e habilidades, os bailarinos também necessitam aperfeiçoar seu caráter moral e força de vontade.”
A técnica
As características da dança clássica chinesa são a elegância e a excelência. Seus movimentos fundamentais enfatizam os braços, os olhos, o corpo, o trabalho com os pés e a coordenação. Essa coordenação se refere a coordenar os braços, os olhos, o corpo e os pés. Para realizar uma dança chinesa, alguém deve ser perito e hábil em todos os pontos mencionados. Os movimentos devem ser fluidos, graciosos e agradáveis à vista.
“Uma bailarina deve ser como uma flor de lótus deslizando sobre a água. Deve apresentar uma figura reta e alta, como o talo de uma flor de lótus. No entanto, os movimentos devem fluir naturais e sem esforço. Um bailarino deve caminhar com a ponta de seus pés para fora e com seus joelhos ligeiramente flexionados”, explica Vina.
A dança clássica chinesa é diferente do balé ocidental. O balé enfatiza as linhas enquanto que a dança clássica chinesa enfatiza a harmonia e o movimento circular. Por exemplo, os ‘dedos de orquídea’, uma posição típica da dança chinesa, requer que os dedos estejam ligeiramente arqueados e os ombros ligeiramente flexionados. Um bailarino nunca manterá seus braços esticados, a menos que represente em um ato onde ele condena alguém.
Assim como o balé clássico ocidental, a dança chinesa é uma disciplina muito exigente que requer uma grande preparação, mesmo que a técnica seja diferente. “Ainda que na dança chinesa também haja exercícios como os do balé, sobre a barra ou sobre o piso, os métodos básicos de expressão diferem: uma bailarina de balé estica a linha de seu corpo; a dança chinesa, em lugar disso, expressa as linhas de diferentes formas. Nas danças clássicas da China, os bailarinos talvez necessitem inclinar seus corpos, formar um círculo com seus braços ou flexionar suas pernas para expressar diferentes linhas. Devido à amplitude dos movimentos, a dança chinesa permite retratar uma ampla gama de personagens, sentimentos e personificações.”
Além disso, há outras técnicas importantes na dança chinesa, tais como o círculo, o giro, a inclinação e a flexão. Explicaremos um pouco destas técnicas.
A flexão se refere a que um bailarino deve manter seus joelhos ligeiramente flexionados, caso contrário, pareceria apenas como se estivesse caminhando pelo cenário e não poderia representar nenhum personagem. Esses são os detalhes que os bailarinos chineses devem praticar de vez em quando.
Inclinação significa que uma bailarina não deve estar parada no cenário como se fosse uma estaca. Seu corpo deve mover-se como o caule de uma flor de lótus balançando-se suavemente com a brisa para mostrar a beleza natural do corpo humano.
“Na China antiga, quando uma donzela via um homem, se ruborizava imediatamente. Então, ela cobriria seu rosto com a manga de seu traje e baixaria a cabeça. Essa é a elegância natural de uma dama chinesa. Com esses detalhados movimentos corporais, a audiência saberá o que se passa em sua mente. Um bailarino deve mostrar valor e heroísmo em seus movimentos e seus olhos também devem mostrar esse aspecto fundamental. É apenas incorporando alma, elegância, forma e movimento corporal que um bailarino será capaz de expressar, em sua totalidade, o estilo e a elegância únicos da dança clássica chinesa”, nos fala Vina, deixando subentendido que para conseguir uma boa interpretação, um bailarino necessita muito mais do que uma boa técnica.
Bem como em outras artes, na China, a dança não foi transmitida de uma forma sistemática como aconteceu no ocidente; com isso queremos dizer que não existiam academias, tampouco institutos especializados para aprender as técnicas. Nos distintos períodos da história chinesa, eram os guerreiros que realizavam as danças, seja para o público em geral ou para o Imperador, e faziam movimentos, volteios e ataques com técnicas de artes marciais. Não é por casualidade que o ideograma ‘wu’, na palavra ‘wu shu’ (artes marciais) se pronuncie igual que o ideograma 舞 ‘wu’ na palavra ‘wu dao’ (dança), e não apenas isso: caso se utilize o ideograma ‘wu’ de ‘wu shu’ em um contexto que indique suavidade, ele se refere à dança, em contrapartida, em um contexto agressivo, o ideograma ‘wu’ de ‘wu dao’ acaba se referindo a artes marciais.
Por essa razão, as técnicas avançadas da dança chinesa incluem dribles, saltos e volteios que são mais difíceis de fazer e que requerem uma maior maestria técnica que os do balé clássico. E também pelo motivo de não ter acontecido um ensino sistemático, já que ele aconteceu apenas em tempos recentes, a dança chinesa tem muito mais possibilidades de criação que o balé clássico, uma vez que conta com mais movimentos e uma história de 5.000 anos, sobre a qual se pode contar muitas coisas. “Essa é a diferença do balé, já que esse contém um número determinado de movimentos e se alguém se desvia deles, já não se pode considerar como balé. Em compensação, a dança chinesa não coloca limites no que se diga respeito aos movimentos, nela o verdadeiramente difícil é se conseguir o aperfeiçoamento da técnica e o estado mental apropriado para transmitir todo o significado do espírito com apenas um movimento”, detalha Vina.
A Companhia de Artes Shen Yun em cena (The Epoch Times)
O componente yun
Fica claro que entre a dança chinesa e o balé clássico há, ainda, outra diferença que não se trata apenas do aspecto técnico, senão de algo mais profundo, que os chineses denominam de ‘yun’. O referido ‘yun’ diz respeito a uma característica cultural inerente, particular para cada etnia, como se a herança cultural estivesse impressa nos genes. Esse é outro reflexo do entendimento chinês de que corpo e espírito são o mesmo, já que esse ‘yun’ é o reflexo da etnia de uma pessoa em seus movimentos e caráter, aspectos que no ocidente se consideram como elementos distintos.
O referido ‘yun’ é tão profundo e próprio de cada etnia que, mesmo que um ocidental se criasse na China e aprendesse a dança chinesa desde pequeno, nunca poderia representá-la da mesma forma que um chinês nativo, porque esse ‘yun’ se manifesta em cada movimento, inclusive nos mais simples como levantar um braço ou uma perna ou nas expressões faciais. Isso é porque ‘yun’ não é algo que se possa aprender, senão que se recebe em herança da história cultural da própria etnia, como um elo que une as pessoas através da história.
Lamentavelmente, esses conceitos essenciais se perderam na sociedade chinesa contemporânea, especialmente após o movimento comunista da ‘Revolução Cultural’, ocorrida na década de 1960; naquele tempo, todos os conceitos culturais tradicionais foram perseguidos e as pessoas não reconhecem mais esse legado milenar. Como resultado, a produção artística chinesa dos últimos cinquenta anos perdeu o seu significado original e reflete, ao mesmo tempo, a grande decadência moral que ocorre na China desde que o Partido Comunista assumiu o poder. Isso, somado à grande influência da arte ocidental dentro da China – arte que também sofreu o impacto da decadência moral e distanciamento dos valores tradicionais – fez com que a verdadeira cultura chinesa se quedasse enterrada e quase esquecida.
“Na crença tradicional chinesa, os imperadores que conduziam o país eram colocados em suas posições pelo seu senso de respeito, justiça e responsabilidade, e tinham a aprovação do céu. Porém, desde que o Partido Comunista assumiu o poder na China, as pessoas foram forçadas a esquecer de tudo isso”, diz Vina, explicando, também, por que considera que as atuações das Artes Interpretativas Divinas são tão importantes, tanto para que os chineses recuperem sua tradição, bem como para que os ocidentais descubram essa maravilhosa cultura.
“Mediante essas atuações, buscamos mostrar à audiência os valores tradicionais da cultura chinesa, a nobreza, a retidão, o decoro. Com isso ensejamos demonstrar que há uma esperança de recuperar os valores tradicionais e de deter a acelerada decadência moral mundial. Nós cremos que os deuses nos deixaram uma herança preciosa, uma cultura singular que, lamentavelmente, se perdeu; tanto no Oriente como no Ocidente”, comenta a entrevistada.
Reconhecer o ‘yun’ que os deuses deixaram em nosso interior é essencial para que possamos recordar quem somos verdadeiramente. A arte pode ajudar-nos a recordar, e esse é um dos aspectos colocado em voga por essas interpretações da dança clássica chinesa.
Fonte: Epoch Times
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