Como escolher sapatos para a dança de salão
Escolher corretamente o sapato para a dança de salão é o primeiro passo para ter bom aproveitamento nas aulas e proteger a saúde de todo o sistema músculo-esquelético.
Esta escolha depende do ritmo que vai ser estudado, onde há técnicas, estilos e estéticas diferentes, variando das sapatilhas rasteiras de zouk aos saltos altos do tango. O piso do local onde se pratica também é importante. Entre os gêneros masculino e feminino também há considerações especiais pelas diferenças técnicas (condutor-conduzido) e antropométricas (biotipo).
Neste artigo, nos concentraremos na escolha do sapato feminino. Para isto, é muito importante entendermos o posicionamento dos pés na dança e os pontos de pressão dentro do calçado e sobre o piso.
CENTRO DE GRAVIDADE E ALINHAMENTO CORPORAL
Para podermos escolher um modelo adequado de calçado para dançar, devemos lembrar de como nosso equilíbrio postural deve estar posicionado sobre as bases. Observe:
- Sem salto, a distribuição do peso é ligeiramente deslocada da parte da frente dos pés (que chamamos antepé) para a parte de trás, no calcanhar (que chamamos retropé).
- Com um salto de 2 cm, a distribuição fica homogênea entre o antepé e o retropé, favorecendo o equilíbrio.
- Com um salto de 4 cm, invertemos este equilíbrio, começando a sobrecarregar os pontos de articulação entre os dedos dos pés (artelhos) e os ossos do mediopé, que chamamos metatarsianos.
- Com um salto 6 de cm, agravamos ainda mais este desequilíbrio…
…e com saltos acima de 6 cm podemos chegar à inadequada situação de suportar quase toda a pressão sobre o antepé.
Nosso centro de gravidade muda constantemente ao longo de nossas atividades diárias para podermos equilibrar-nos. Na dança, de modo geral, em quase todas as modalidades, posicionamos o centro de gravidade pouco mais à frente, no antepé, o que nos proporciona a impressão de um corpo “mais disponível”. Quem deixa o centro de gravidade sobre os calcanhares, no retropé, em geral parece “mais pesado”; a força centrífuga gerada pelos movimentos associada a uma eventual debilidade abdominal fazem com que se torne mais difícil mobilizar nossa massa corporal.
Desta forma, fica fácil perceber porque é indispensável ter um bom condicionamento físico e técnico para dançar de salto alto. O deslocamento do centro de gravidade para a frente exige tônus abdominal, em todo o membro inferior (coxas, panturrilhas) e adequado posicionamento de ombros e dorso.
SOLA DO CALÇADO E COEFICIENTE DE ATRITO
Preste atenção ao tipo de solado do seu calçado de dança e veja se ele não prejudica seu desempenho na pista ou na sala de aula. Ele não deve permitir que você escorregue, mas também não deve prendê-lo excessivamente ao chão. Se isto acontecer, as articulações dos tornozelos e joelhos podem ser “torcidas”, e como elas não são preparadas para este movimento, podem lesionar-se.
Atrito dinâmico ou cinético é a força que surge entre as superfícies que apresentam movimento de deslizamento entre si. Na prática, percebemos esta noção como o quanto nosso calçado nos prende ao chão ou nos deixa escorregar. Observe alguns exemplos importantes:
- Coeficiente de atrito dinâmico entre as superfícies de nossas articulações é 0,003;
- Entre aço e gelo seco, (como na patinação no gelo), é 0,25;
- Entre borracha e concreto, é 0,8;
- Entre borracha e madeira é 0,6;
- Entre couro e madeira, 0,4.
Considera-se que o ideal seja usar sapatos com sola de couro ou camurça sobre piso de madeira não encerado. Nem sempre isto é possível, e empiricamente escolhemos o sapato que nos dá maior segurança para dançar num salão de baile ou sala de aula improvisada. De qualquer forma, procure evitar dançar em pisos de concreto ou cerâmica, independente do calçado, pois o atrito, falta de absorção de micro impacto e emendas, de forma alguma são adequados para a prática de dança. Solados de borracha (como tênis para dança) sobre linóleo também podem ser inadequados. Com este tipo de piso, couro ou lona são mais adequados.
Para profissionais, uma boa sugestão é ter dois ou mais sapatos adequados a cada figurino, com solas de materiais diferentes. É comum chegarmos a um local de apresentação em que o piso não é o ideal para dança, como salões de baile encerados. Ou em festivais em que, no mesmo piso, dançarão bailarinos com tênis, sapatilhas de pontas ou sapatos de dança de salão. É bastante improvável que o piso seja adequado a todos, senão prático à organização do festival.
LESÕES MAIS COMUNS
O mau posicionamento dos pés pode gerar lesões como:
- Hálux valgo, ou “joanete”: decorrente da falta de base e excessivo deslocamento do centro de gravidade para o antepé. Depende da genética, mas os saltos demasiadamente altos são grandes desencadeantes deste tipo de lesão.
- Neuromas de Morton: espessamento dos nervos que passam pelas plantas dos pés em direção aos artelhos, e que recebem demasiada pressão. Determinam dor e sensação de choque ou formigamento.
- Bolhas e calosidades: podem significar que os pontos de contato entre o calçado e o pé estão inadequados. Deve-se checar o tamanho e o modelo do calçado, e o posicionamento dos pés dentro deles. Por vezes, pode ser necessário usar uma palmilha e fazer exercícios corretivos.
- Conforme o tempo e a gravidade dos problemas de posicionamento dos pés, outros problemas podem surgir, como lesões de tornozelos, joelhos, quadris e coluna.
A ESCOLHA DO SAPATO
Vários modelos de marcas específicas para a dança já estão disponíveis. Contudo, você não precisa restringir-se a eles para escolher um bom sapato de dança. Seguindo as dicas abaixo, também é possível comprar bons sapatos para dança em lojas não especializadas.- Para aulas regulares, salto entre 2 e 4 cm. Se necessitar usar saltos mais altos, por necessidade de estilo ou exigência profissional (bailarinas de tango, por exemplo), procure alternar seus períodos de ensaio com outro tipo de calçado, trabalhe seu condicionamento físico e postural, e massageie os pés.
- Evite saltos muito finos, que diminuem ainda mais a possibilidade de posicionar o centro de gravidade entre antepé e retropé. Prefira saltos mais largos, que permitam a distribuição do peso.
- Procure sapatos que fiquem firmes no pé, tipo “boneca”, ou sandálias que tenham tiras de segurança entre o antepé e o retropé. Esta dica é fundamental para iniciantes, e não segui-la pode significar falta de equilíbrio na aula e maior demora em aprender a técnica.
- Evite solados de borracha, que geralmente estão presentes nos calçados não específicos para dança. Se você gostou do modelo, e o único senão for o solado emborrachado, você pode mandar colocar uma sola de camurça ou feltro espesso para adequá-lo.
- Plataforma? Nem pensar! O solado duro e não articulável dos sapatos de plataforma impede o adequado funcionamento das articulações metatarso-falangeanas (as dos dedos dos pés), aumenta o risco de tendinites e fasceíte plantar (inflamação da planta dos pés), e ainda prejudica a técnica de dança, gerando movimentos “pesados” e desequilibrados.
- Sapatos “bicudos”? Também não! A gáspea (parte da frente do sapato) deve respeitar o tamanho do pé; as extensões não são bem-vindas. Além de todas as razões ortopédicas já expostas, prejudicam também a técnica da dança. Não devemos esquecer que o espaço deixado pela dama será ocupado pelo cavalheiro, e vice-versa. O que acontecerá se nossos pés tiverem “projeções”? Presenciamos numa aula na Escuela Argentina de Tango, em Buenos Aires, uma elegante turista com seu sapato bicudo ser dispensada da aula pelo professor, indignado. Por aqui, um conhecido programa de televisão ainda demonstra instrutoras e famosas dançando com seus sapatos “bicudos”…
Bem, se você já é uma aficionada da dança, não é demais sugerir que evite sair à rua, em ambiente externo, com seu sapato de dança. Depois de ter tomado todos os cuidados que mencionamos, é fácil compreender que o calçado não deve ser exposto à intempérie (chuva, barro, etc) e que não deve ser a melhor escolha para andar na pressa da rotina. Reserve seu sapato para as aulas de dança, bailes e apresentações. Já é comum observarmos, em alguns bailes, dançarinos e dançarinas de salão que trocam seu calçado à chegada e saída, respeitando o ambiente do evento e cuidando melhor de seu equipamento.
Fonte: Dança em Pauta | Izabela Lucchese Gavioli
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