A Neurociência da Dança. - Parte 1
Mundo da Dança como todos já sabem é um portal de pesquisas e aprofundamento no universo da dança e suas várias vertentes, estilos, modalidades e assuntos. Então trago até vocês um estudo maravilhoso sobre o cérebro, o corpo humano e o comportamento social da humanidade perante a dança. Um estudo espetacular da Dança que todos devemos saber para entendermos ainda mais esse complexo mecanismo que nos faz dançar e amar aquilo que fazemos. Dividirei essa pesquisa em uma série: A Neurociência da Dança.
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Estudos recentes com imageamento do cérebro revelam algumas coreografias neurais complexas por trás da habilidade de dançar.
por Steven Brown e Lawrence M. Parsons
WOODY WELCH Aurora Photos
A DANÇA É A ATIVIDADE mais sincronizada que as pessoas podem realizar. Os neurocientistas estão tentando descobrir não só como, mas também por que dançamos.
Nossa habilidade de ritmo é tão natural que a maioria de nós a encara como algo automático: quando ouvimos música, marcamos seu compasso com os pés ou balançamos o corpo, geralmente inconscientes de que estamos nos mexendo. Mas esse instinto é, para todos os fins e propósitos, uma novidade evolucionária entre os humanos. Nada comparável acontece com outros mamíferos, nem, provavelmente, com qualquer outra espécie do reino animal. Nosso dom para essa sincronização inconsciente encontra-se no âmago da dança, uma confluência de movimentos, ritmo e representações gestuais. De longe a prática coletiva mais sincronizada, a dança exige um tipo de coordenação interpessoal no espaço e tempo quase inexistente em outros contextos sociais.
Embora a dança seja uma forma fundamental de expressão humana, sempre recebeu relativamente pouca atenção dos neurocientistas. Entretanto, recentemente, pesquisadores realizaram os primeiros estudos com imageamento do cérebro de dançarinos tanto amadores quanto profissionais. Esses estudos tentam responder a perguntas do gênero:
- Como os dançarinos navegam no espaço?
- Como seus passos são ritmados?
- Como as pessoas aprendem séries complexas de movimentos padronizados?
Eu Tenho Ritmo
Os neurocientistas há tempos estudam movimentos isolados como as rotações do tornozelo ou o tamborilar dos dedos. A partir desses trabalhos, sabemos o básico sobre como o cérebro coordena ações simples. Pular com um pé só – e nem tente dar tapinhas na cabeça ao mesmo tempo – exige cálculos relacionados à consciência espacial, ao equilíbrio, intenção e sincronismo, entre outras coisas, no sistema sensório-motor do cérebro. Em poucas palavras, uma região chamada córtex parietal posterior – na parte de trás do cérebro – traduz informações visuais em comandos motores, enviando sinais para as áreas de planejamento do movimento no córtex pré-motor e na área motora suplementar. Essas instruções então se projetam para o córtex motor primário, que gera impulsos neurais que viajam para a medula espinhal e para os músculos, provocando sua contração.
Ao mesmo tempo, os órgãos sensoriais nos músculos mandam uma resposta ao cérebro, dando a orientação exata do corpo no espaço por meio de nervos que passam pela medula espinhal até chegarem ao córtex cerebral. Os circuitos subcorticais do cerebelo, localizados na parte de trás do cérebro, e dos gânglios de base, no núcleo do cérebro, também ajudam a atualizar os comandos motores com base na resposta sensorial e no ajuste de nossos movimentos reais. O que permanece sem resposta é se esses mesmos mecanismos neurais se ampliam para permitir que essas manobras sejam tão graciosas quanto uma pirueta, por exemplo.
Para responder a essa questão, realizamos o primeiro estudo de imageamento cerebral dos movimentos da dança, em conjunto com nosso colega Michael J. Martinez do Health Science Center da University of Texas, em San Antonio, usando dançarinos amadores de tango como objeto de estudo. Escaneamos o cérebro de cinco homens e cinco mulheres usando a tomografia de emissão de pósitrons, que registra as mudanças no fluxo sangüíneo cerebral seguidas por mudanças na atividade cerebral. Os pesquisadores interpretam o aumento no fluxo sangüíneo em uma região específica como sinal de uma atividade maior entre os neurônios da região. Nossos voluntários permaneceram parados dentro da máquina de tomografia, com a cabeça imobilizada, mas movendo as pernas e deslizando os pés por uma superfície inclinada. Primeiro, pedimos que fizessem o passo quadrado, derivado do passo básico do tango argentino chamado salida, sincronizando seus movimentos no ritmo das músicas que ouviam por fones. Em seguida, escaneamos o cérebro dos dançarinos enquanto flexionavam os músculos da perna no ritmo da música, sem de fato moverem esses membros. Ao subtrair a atividade cerebral obtida por essa simples flexão daquela registrada enquanto “dançavam”, fomos capazes de focar nossa atenção em áreas cerebrais vitais para direcionar as pernas pelo espaço, gerando padrões específicos de movimento.
Como era esperado essa comparação eliminou muitas das áreas motoras básicas do cérebro. No entanto, a porção não eliminada era uma parte do lobo parietal, que contribui para a percepção espa Parcial e a orientação em humanos e em outros mamíferos. Na dança, a cognição espacial é primeiramente cinestésica: você sente o posicionamento do seu tronco e membros o tempo todo, mesmo com seus olhos fechados, graças aos órgãos sensoriais dos músculos. Eles graduam a rotação de cada junta e a tensão em cada músculo e retransmitem essas informações para o cérebro que gera uma representação articulada do corpo como resposta. Mais especificamente, identificamos ativação no precuneus, região do lobo parietal muito próxima de onde fica a representação cinestésica das pernas. Acreditamos que o precuneus contenha um mapa cinestésico que permite uma consciência do posicionamento do corpo no espaço enquanto as pessoas se movem à sua volta. Não importa se alguém está dançando uma valsa ou andando em linha reta: o precuneus ajuda a traçar seu caminho e assim o faz a partir de uma perspectiva centrada no corpo – ou “egocêntrica”.
Em seguida, comparamos as tomografias da dança com aquelas realizadas enquanto nossos voluntários faziam os passos do tango sem música. Ao eliminar as imagens das regiões do cérebro em comum ativadas pelas ações, esperávamos identificar áreas críticas para a sincronização dos movimentos com a música. Novamente, essa subtração removeu praticamente todas as áreas motoras do cérebro. A diferença principal estava na parte do cerebelo que recebe informações da medula espinhal. Embora ambas as condições tenham ativado essa área – o vérmis anterior – os passos de dança sincronizados com a música geraram significativamente mais fluxo de sangue no local que a dança auto-ritmada.
Embora preliminares, nossos resultados nos levam a crer na hipótese de que essa parte do cerebelo atua como um tipo de maestro, monitorando as informações em várias regiões do cérebro para ajudar a orquestrar as ações (ver “O cerebelo reconsiderado”, por James M. Bower e Lawrence M. Parcial sons, Scientific American Brasil no16, setembro de 2003). O cerebelo como um todo atende a todos os critérios para um bom metrônomo neural: recebe uma ampla gama de informações sensoriais dos sistemas corticais auditivo, visual e somatossensório – uma capacidade necessária para sincronizar movimentos a diversos estímulos, desde sons até flashes luminosos e toque; e contém representações sensório-motoras para o corpo inteiro.
Inesperadamente, nossa segunda análise também elucida a tendência natural que os humanos têm de bater os pés inconscientemente ao ritmo de uma música. Ao comparar as imagens dos movimentos sincronizados com a música às dos movimentos auto-ritmados, descobrimos que uma parte inferior da via auditiva, uma estrutura subcortical chamada núcleo geniculado medial – MGN, na sigla em inglês –, era ativada apenas durante a primeira ação. No início, partimos do pressuposto de que esse resultado refletia meramente a presença de um estímulo auditivo – isto é, a música – na situação sincronizada, mas outro conjunto de imagens de controle excluiu essa interpretação: quando nossos voluntários escutavam música, mas não moviam suas pernas, não detectamos mudança no fluxo sangüíneo do MGN.
Assim, concluímos que a atividade do MGN refere- se especificamente à sincronização e não apenas ao ato de ouvir. Essa descoberta nos levou a admitir a possibilidade de uma hipótese de “caminho menos honrado” em que o sincronismo inconsciente ocorre quando uma mensagem auditiva neural se projeta diretamente nos circuitos auditivos e de ritmo presente no cerebelo, desviando-se de áreas auditivas superiores no córtex cerebral.
Steven Brown é diretor do NeuroArts Lab no departamento de psicologia, neurociência e comportamento da McMaster University, em Ontario. Sua pesquisa tem como foco a base neural da comunicação humana, incluindo a fala, música, gestos, dança e emoção.
Lawrence M. Parsons é professor do departamento de psicologia da University of Sheffi eld, na Inglaterra. Sua pesquisa inclui o estudo do funcionamento do cerebelo e a neurociência por trás da capacidade de realizar duetos, interagir em uma conversa e inferência dedutiva.
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